Nos dias 20 e 21 de setembro, a Amigas da Terra Brasil promoveu o “Seminário Regional Territórios de Vida x Projetos de Morte Monocultivos e Mineração”, no CPERS Sindicato, em Porto Alegre (RS). O encontro reuniu comunidades, povos indígenas, quilombolas, assentades, juventudes, organizações e movimentos sociais de todo o estado para refletir, fortalecer e articular estratégias em defesa dos biomas, povos e territórios de vida.
Com base em repertório histórico e trazendo uma série de dados, o seminário se debruçou na disputa entre dois projetos de futuro: os territórios de vida, que florescem na diversidade cultural, na agroecologia, na luta por soberania alimentar e justiça social, e os projetos de morte, que avançam com monocultivos, mineração e agrotóxicos, impondo destruição, racismo ambiental e agravando a crise climática.
O momento foi composto por atividades culturais, participação em ato, oficina de batucadas e três painéis de debate. Foram dois dias de diálogos potentes sobre histórias de luta, denúncias dos impactos socioambientais e experiências de resistência que mostram que outro caminho é possível – um caminho construído pelos povos, na defesa da terra, da água, da saúde, da cultura e da vida.
Emergiram questões relacionadas à luta por terra e território, marcadas pela urgência de reforma agrária popular, da agroecologia, da reforma urbana, da demarcação de territórios indígenas e da titulação quilombola. Outro tema foi a necessidade de pôr fim à violência colonial. Para isso, é fundamental a solidariedade internacionalista, assim como a construção de alternativas reais, que alterem a correlação de forças do capitalismo e mudem as lógicas de produção e consumo . Soluções que tenham como eixo a soberania dos povos, especialmente alimentar e energética, uma transição justa e feminista, e que se ergam a partir das raízes com justiça climática, trazendo reparação histórica, garantia de direitos e a salvaguarda das formas de vida ancestrais.
O seminário salientou que frente às múltiplas crises que borbulham na emergência climática, as soluções reais residem nas soluções dos povos, na organização coletiva e no poder popular. Experiências como a luta das mulheres assentadas, cozinhas solidárias, hortas comunitárias, retomadas indígenas, aquilombamentos, organização das juventudes, frentes em defesa dos biomas e construções que demandam políticas públicas para projetos de vida foram destacadas.
O momento denunciou projetos de morte da especulação imobiliária, indústria bélica, da celulose, mineração e agronegócio, assim como seus impactos e os retrocessos legais que os fortalecem. Mergulhando na resistência em solo gaúcho, foram realizadas apresentações sobre as lutas contra agrotóxicos, monocultivos e o latifúndio. Foi evidenciado o protagonismo das mulheres, assim como as mobilizações políticas e sociais realizadas em defesa do meio ambiente.

Estavam presentes jovens rumo à Cúpula dos Povos, povos Guarani e Kaingang, o Comitê dos Povos e Comunidades Tradicionais do Pampa, a UPP Camaquã/AGrUPa, o Assentamento Santa Rita de Cássia II/Nova Santa Rita, o Movimento Sem Terra (MST), o Movimento por Soberania Popular na Mineração (MAM), o coletivo Periferia Feminista, a Marcha Mundial das Mulheres (MMM), o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), a CSAA Territórios de Vida (Comunidade que Sustenta a Agricultura Agroecológica), a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), a Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares (RENAP) e a Universidade Federal do Rio Grande do SUl (UFRGS).
O Seminário encerrou com mística e mobilização para o “Ato Sem Anistia para Golpistas, contra a PEC da Blindagem ou PEC da Bandidagem”, uma manobra que dificulta investigações contra parlamentares e presidentes de partidos suspeitos de cometer crimes, reafirmando que seguimos juntes na construção de territórios livres da exploração corporativa e abertos à esperança de um futuro justo e sustentável.
Direitos para os povos, regras para empresas: é preciso desmantelar o poder corporativo
“A gente fala que por trás de uma grande fortuna há sempre um crime. E por trás desses crimes estão as transnacionais”, afirmou Letícia Paranhos, presidenta da Amigas da Terra Brasil. Durante uma apresentação, Letícia abordou a arquitetura da impunidade das grandes corporações, expondo como estas atuam em cadeias globais para se isentarem de seus crimes e ampliarem lucros às custas dos territórios de vida, especialmente no Sul Global. Letícia apresentou, ainda, proposições no combate à impunidade corporativa, intrínseca nos projetos de morte do capital. “Falamos muito da arquitetura da impunidade, companheiros citaram aqui em vários momentos. Quando falamos de projeto de morte, nós falamos que eles podem existir graças a essa arquitetura”, expressou.
A nível global, Letícia ressaltou a “Campanha Global para Desmantelar o Poder Corporativo, Reivindicar a soberania dos povos e Acabar com a impunidade”, que demanda internacionalmente um Tratado Juridicamente Vinculante que responsabilize empresas transnacionais (ETNs) por seus crimes. Destacou, ainda, iniciativas a nível nacional que também pautam a primazia dos direitos humanos acima do lucro, e que surgem como ferramenta de luta para que crimes como Mariana e Brumadinho nunca mais se repitam. Exemplo disso, no Brasil, é o PL 572/22, construído junto a movimentos sociais. “A nossa perspectiva é a questão de direitos para os povos e regras para empresas, que é justamente o contrário do que temos hoje”, explicou Letícia.
Baixe a cartilha popular do PL 572/22 e saiba mais:

O seminário também denunciou falsas soluções do mercado, construídas com apelo de marketing verde, discursos de responsabilidade social corporativa, sustentabilidade e até mesmo de transição energética. Discursos corporativos que na prática replicam velhos problemas criados por corporações, explorando ainda mais a natureza e as pessoas em nome do lucro, na lógica de que estes são meros recursos infinitos à sua disposição. Uma dinâmica entrelaçada no capitalismo financeiro e especulativo, tão encontrado no mercado de carbono, mas que pouco se conecta com a realidade material de um planeta finito que está em colapso.
Pampa na mira: desertos verdes ameaçam extinguir bioma menos protegido do Brasil

Como evidencia a Rede Alerta Contra os Desertos Verdes, iniciativa nacional em defesa dos biomas, da biodiversidade e dos povos: “Quem vê árvore, não vê floresta”. Memorando essa reflexão no marco do dia 21 de setembro, data internacional de combate aos desertos verdes, o Seminário expôs a fragilidade do Pampa frente ao avanço destes. Trazendo a força das mulheres sem terra, que no último 8 de março fizeram atos em todo estado contra os monocultivos e pautaram que “eucalipto não é floresta”, o espaço também demarcou como os desertos verdes impactam o Pampa.
Os desertos verdes consistem em grandes áreas de monocultivo de uma única espécie de árvore. São chamados de desertos porque embora existam árvores, não há diversidade, e sem diversidade, não há vida. Para existirem desertos verdes, a fauna e flora que crescem e caracterizam naturalmente os biomas brasileiros é posta abaixo. Fato que causa graves desequilíbrios ecológicos e conflitos com comunidades. O avanço dos monocultivos de eucalipto no Pampa para a produção de celulose é um processo violento, que se alastra principalmente por propaganda verde, retrocessos e flexibilização da legislação ambiental.
Baixe a cartilha “Nova expansão das monoculturas de eucalipto para celulose ameaça o bioma Pampa” e saiba mais:
Durante o seminário, a temática foi debatida. A história de luta do Movimento Sem Terra (MST) contra o latifúndio e as monoculturas, destacando a centralidade das mulheres da Via Campesina no processo, foi resgatada. Também foram evidenciados marcos como a construção e desconstrução do Zoneamento Ambiental da Silvicultura (ZAS) do Rio Grande do Sul, e a mobilização social e política da Assembleia Permanente de Entidades em Defesa do Meio Ambiente (APEDeMA) e do Movimento Gaúcho em Defesa do Meio Ambiente (MoGDeMA). Processos fundamentais da resistência frente ao avanço dos projetos de morte e em defesa do bioma Pampa e dos territórios de vida.
Eduardo Raguse, da Amigas da Terra Brasil, Comitê de Combate à Megamineração e do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), denunciou o avanço dos monocultivos e os relacionou com a abertura dos territórios para outros projetos de morte: os da mineração. Além disso, expôs como empresas que trabalham com monocultivos “limpam” a sua imagem com propaganda verde, pautando falsas soluções para a crise climática, como os créditos de carbono. “O crédito de carbono é assim: uma tonelada de CO2 que tu deixa de emitir, ou retira da atmosfera, gera um crédito de carbono, e isso é colocado em bolsas de valores. Empresas poluentes compram esses créditos para seguirem poluindo. Os projetos que deveriam retirar carbono da atmosfera, muitas vezes, ou quase sempre, trazem ainda mais impactos para as comunidades. Essa é a lógica perversa por trás do mercado de carbono”. De acordo com seu relato, um dos setores que mais aposta nos créditos de carbono e alimenta esse mercado é o setor da silvicultura. “Setor que diz ser totalmente sustentável, com florestas renováveis e que ainda extrai créditos de carbono da atmosfera. As empresas de celulose lucram duas vezes, uma com a celulose, outra com a venda dos créditos de carbono”, explicou.
Emanuel Costa, militante do MAM, denunciou o elevado investimento do estado gaúcho em megaprojeto de mineração, como é o caso do Projeto Retiro. Este, previso para ocorrer em zona onde há monocultivos de árvores, prevê a extração de titânio em São José do Norte (RS), e é amplamente denunciado por ameaçar a água, solo, pesca artesanal, agricultura familiar e comunidade quilombola. “Vemos como o estado tem se tornado um órgão facilitador desse tipo de atividade, seja por prospecção e estudos, ou por meio de subsídios que poderiam estar indo para agricultura familiar, reforma agrária, que fariam um sentido bem maior no sentido de meio ambiente e questão de função social daquele solo”, argumentou.
Colonialismo verde, a propaganda como arma do genocídio
Em nome da concentração de riquezas, corporações promovem genocídios. Seja na maior prisão a céu aberto do mundo, Gaza (Palestina), seja nas periferias brasileiras, onde a bala cravada na juventude negra leva mais uma vez a assinatura racista. Bala que muitas vezes vem de Israel, assim como o treinamento militar das polícias latino-americanas. Na geopolítica, a relação entre projetos de morte cruza oceanos. O Estado de Israel movimenta milhões do setor bélico global. E seus projetos de morte também englobam setores da agricultura (com agrotóxicos, por exemplo) e serviços de inteligência, como treinamento militar, tecnologias de espionagem, sistema de armazenamento de dados e manipulação de algoritmos. A propaganda é aliada dessa máquina de guerra, especialmente a propaganda verde.
Durante o seminário, Andressa Soares, representante no Brasil do Comitê Nacional Palestino da Campanha de Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS), relacionou os temas com a impunidade corporativa. Com enfoque no genocídio, limpeza étnica e apartheid a qual o povo palestino é submetido pelo estado de Israel, expôs corporações por trás das violações de Israel, como atuam e como promovem lavagem verde. Reafirmou, ainda, a necessidade da luta internacionalista e de ações concretas pelo fim do genocídio.“O produto que Israel mais compra do Brasil é petróleo e aço. Em contrapartida, o Brasil compra de Israel tecnologia militar, herbicidas e pesticidas. Isso tudo influencia na roda do capital. Toda tecnologia spyware, tecnologia das big techs… todas tem projetos significativos com Israel”, destacou.
Enquanto grandes empresas transnacionais israelenses promovem discursos sobre direitos lgbtqiap+, sustentabilidade, responsabilidade social crporativa e tecnologias como a de criação de água, na realidade seguem atuando com mais exploração e violações de direitos. “Temos três empresas israelenses responsáveis por boa parte da propaganda verde de que Israel criou a água no deserto, que é um país super fértil por criar tecnologia de água. Uma é a Adama, empresa israelense de herbicidas, pesticidas e agrotóxicos. Uma das que mais vende pesticidas para o Brasil”, destacou Andressa, escancarando a relação entre projetos de morte do capital.
Confira a cobertura fotográfica do seminário: