Passados 2 anos da pandemia, o cerco à Amazônia continua

A federação internacionalista ambientalista Amigos da Terra, por meio do seu membro brasileiro, a Amigos da Terra Brasil, atua há anos em aliança com movimentos sociais, territórios e comunidades. Junto a muitos parceiros, estamos na luta popular contra o desmatamento, em defesa da água, da biodiversidade, da soberania alimentar dos Povos da Floresta e dos direitos dos povos – indígenas, quilombolas e camponeses e urbanos – em seus territórios na Amazônia. Toda a solidariedade e organização é necessária frente ao avanço do agronegócio, da mineração e dos grandes projetos de infraestrutura exportadora de commodities na região amazônica, uma das últimas fronteiras no país com mata e biodiversidade original preservadas pelos povos que a habitam, conhecem, respeitam e que seguem resistindo à destruição do capital. O compromisso permanente de buscar caminhos solidários e manter o apoio à organização dos povos em resistência às pandemias do neoliberalismo e na luta por justiça ambiental nos moveu a revisitar as situações denunciadas pelas vozes destes territórios, passados dois anos da conjuntura da covid, agravada pelas mazelas de um governo genocida que chega ao fim neste ano de 2022. Em meados de 2020, publicamos, em conjunto com a organização Terra de Direitos e sindicatos de trabalhadores rurais da região de Santarém, no Pará, um documentário em três idiomas intitulado “A História do Cerco à Amazônia”. Contamos com os importantes apoios do Grupo Carta de Belém (GCB), da Jornada Continental pela Democracia e Contra o Neoliberalismo, da rede Jubileu Sul e dos grupos da Federação Amigos da Terra Internacional para produzi-lo. Neste material, denunciamos como os territórios amazônicos vêm sendo transformados em campos de cultivo para a expansão da monocultura da soja, principal commodity agrícola produzida para exportação, destinada especialmente à alimentação animal em outros países. Boa parte da cadeia global de produção da soja é controlada por grandes empresas transnacionais como Bunge, Cargill, Monsanto, Bayer, Syngenta entre outras. E está baseada no processo de grilagem de terras no Brasil, utilizando as queimadas e o desmatamento para “limpar” a terra, primeiro para a criação de gado e posteriormente para o plantio, e logo aumentando a pressão por estradas, portos e outros grandes empreendimentos para o seu escoamento. Também revelamos os impactos nas comunidades que residem ali há décadas sobrevivendo de suas lavouras, do extrativismo sustentável de produtos da floresta e da pesca. Quilombolas e trabalhadores rurais relataram a escalada de ameaças de serem expulsos de suas terras e os prejuízos econômicos em sua produção devido ao uso de agrotóxicos pelos fazendeiros e grileiros no entorno, bem como seus efeitos na saúde e no meio ambiente. A instalação da cadeia da soja na região de Santarém, no Pará, ocorre por completo. Empresas do agronegócio, com apoio das prefeituras municipais e do governo paraense, buscam implementar estrutura portuária privada para escoar a produção, não apenas da região amazônica, mas também do Centro-Oeste. A multinacional Cargill já tem um porto graneleiro na cidade de Santarém, o qual foi construído sem a realização de estudos de impacto ambiental, em cima de uma área de sítios arqueológicos. O porto causou danos ambientais na Praia de Vera Cruz e afetou a sobrevivência econômica de pescadores e moradores, que tiveram que deixar de se banhar no local. Um segundo projeto, da EMBRAPS (Empresa Brasileira de Portos de Santarém), no Rio Maicá, teve processo de licenciamento ambiental suspenso pela Justiça após as comunidades atingidas denunciarem que sequer teriam sido consultadas. Quando estivemos na região para a produção do documentário, no final de 2019 e antes do início das medidas de isolamento social impostas pela pandemia, em 2020, pelo menos mais outras duas empresas tinham interesse em instalar portos privados na área. Se já não bastasse a pressão do poder econômico sobre as comunidades e o meio ambiente, o agronegócio emprega a violência contra as lideranças e quem mais ousar resistir, até mesmo ameaçando de morte – e matando – quem não se cala. Passados quase dois anos dessa ronda da Amigos da Terra Brasil e parceiros na Amazônia, os relatos das comunidades locais revelam que tudo o que estava acontecendo naquela época se mantém e que a pressão sobre os territórios está aumentando na região. Os garimpos ilegais, o desmatamento sem controle, a liberação de armas para os fazendeiros, a falta de políticas públicas que atendam parte das necessidades da população são alguns dos vilões dessa realidade. As consequências são o aumento da grilagem com facilidade, a fome, a violência no campo, entre outras violações de direitos, sem que o Estado tome alguma providência concreta para conter esses crimes. Em conversa com a Amigos da Terra Brasil, o ex-presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Santarém (STTR), Manoel Edivaldo Santos Matos (o Peixe), defendeu a regularização fundiária como uma das principais saídas para esse transtorno que há muito tempo sofrem os trabalhadores e as trabalhadoras rurais, povos indígenas e quilombolas. Sem isso, opinou Peixe, fica difícil pensar em outras políticas. “A regularização fundiária é a porta para uma reforma agrária de verdade, sem isso é ficar enxugando gelo”, argumentou. Frente a um ano eleitoral, os povos da floresta têm reivindicações que consideram fundamentais a serem pautadas pelos candidatos que realmente querem se comprometer com a preservação da Amazônia e de suas comunidades. A reestruturação e o fortalecimento dos órgãos dos governos estão entre elas para responder às demandas dos povos. No caso dos agricultores e das agricultoras familiares, Peixe considerou como importante o resgate do MDA (Ministério do Desenvolvimento Agrário) e o funcionamento do MMA (Ministério do Meio Ambiente) para combater o desmatamento, mas que o governo também apoie as iniciativas de organização econômica da população. Para isso, é preciso a desburocratização a fim de acessar financiamento público voltado para aumentar a produção de alimentos saudáveis. No entanto, a liderança reforça a necessidade da regularização fundiária urgente por meio da demarcação de terras indígenas, titulação dos territórios quilombolas, os parques de extrativismo com suas comunidades tradicionais, assentamentos de Reforma Agrária, terras coletivas fora do mercado imobiliário e de uso e garantia dos povos. Caso contrário, não tem como preservar as florestas e seus povos. Abandono dos governos e
Privatização: Cais Mauá demanda atenção popular

Com edital de concessão lançado, o cais será concedido por investimento inicial de 300 milhões de reais Durante os primeiros dias do mês de fevereiro de 2022, chegaram às mãos do secretário estadual de Parcerias, Leonardo Busatto, os estudos que detalham o modelo de parceria público-privada (PPP) para a revitalização do Cais Mauá, em Porto Alegre. O documento inclui o orçamento das obras, a expectativa de lucros para o futuro investidor, o projeto arquitetônico, os relatórios de engenharia, a modelagem jurídica e as minutas do edital de licitação e do contrato. Quem entregou o projeto foi o Consórcio Revitaliza, escolhido pelo Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES) para dar segmento à estruturação do negócio. Em entrevista concedida à Zero Hora no dia 4 de fevereiro, Busatto relata que a análise técnica do material entregue se dará ao longo de duas semanas e que, depois de pronta, será levada ao governador Eduardo Leite. O governo do Estado tem como objetivo dar início à fase de consultas públicas a respeito da obra do Cais Mauá ainda neste mês, na qual será aberto um suposto espaço para que a comunidade faça sugestões, assim como as empresas interessadas na PPP. O modelo de concessão pretende ceder a apropriação do Cais Mauá à iniciativa privada por 35 anos. Durante este período, a empresa escolhida para tocar o projeto poderá interferir e explorar a área da forma que achar mais conveniente, sem intervenção do Estado. Há de se considerar o que uma proposta como esta significa na prática para a população porto alegrense. Em uma cidade na qual espaços públicos estão sendo cedidos para a gerência de empresas que não têm nenhuma preocupação com as pessoas em situação de rua, por exemplo, se percebe que a suposta ideia de “melhorar” um espaço é deveras setorizada. Afinal, quem vai de fato aproveitar a revitalização do Cais Mauá? Não será a população marginalizada. Será essa mais uma política higienista para o centro de Porto Alegre? No contexto da pandemia, A Covid-19 piorou ainda mais os índices de miséria em Porto Alegre, de forma que em 2021, foi registrado que, em um ano, a pandemia levou 280 mil moradores da região Metropolitana para a zona da pobreza, os dados são do Boletim Desigualdade nas Metrópoles, uma parceria entre PUCRS, Observatório das Metrópoles e RedODSAL. Isso significa dizer que é cada vez mais urgente que se tenha políticas públicas para as populações mais pobres, não apenas na classe média que teria poder aquisitivo para dar o retorno financeiro esperado a este tipo de projeto. Um questionamento lógico é: dentre todas as escolhas políticas, o que torna este projeto prioridade frente a urgente necessidade de acesso à alimentação, moradia e transporte público de qualidade para a população de Porto Alegre? Na primeira versão do Edital atualmente entregue, a principal exigência é de que o investidor selecionado conclua todas as obras de revitalização previstas, avaliadas em 300 milhões de reais, nos primeiros três anos de concessão. A requisição ousada possibilita que haja uma certa dificuldade em encontrar quem queira investir no projeto. Porém, como incentivo, a PPP concederá ao vencedor da licitação a propriedade definitiva do terreno das docas, na extremidade norte do Cais. O empreendedor que arrematar o projeto terá como prêmio a possibilidade de construir nove torres residenciais e corporativas, vender os apartamentos e faturar uma quantia que alcança a casa dos bilhões de reais. No dia 25 de novembro de 2021, o governo do Rio Grande do Sul, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e o Consórcio Revitaliza apresentaram o projeto de revitalização do Cais Mauá. O principal objetivo da concessão é a suposta reintegração do rio Guaíba e do cais com o resto de Porto Alegre, principalmente com o Centro Histórico. Atualmente, o terreno é propriedade do Estado e apresenta 181,3 mil metros quadrados de área, divididos entre os armazéns, as docas e o Gasômetro. Como se pode observar, a iniciativa de concessão da área é a sua desestatização. A ideia é de que sejam investidos um total de 1,3 bilhão de reais ao longo de 15 anos. Inicialmente, os primeiros 300 milhões seriam colocados nos primeiros cinco anos, mas no atual edital, o prazo diminuiu para apenas três. No dia 9 de dezembro de 2021, ocorreu um encontro para discutir propostas de ocupação para o Cais Mauá com movimentos sociais, entidades e população em geral, em Porto Alegre/RS, pois o projeto até então apresentado pela prefeitura não dialogava com a realidade da população porto-alegrense. Isso porque, não garantia o direito de acesso a esses espaços para toda a população. O encontro foi chamado pela deputada Sofia Cavedon, pela Frente Parlamentar Estadual em Defesa do Cais Cultural, e do vereador Leonel Radde, pela Frente Parlamentar Municipal em Defesa do Cais Cultural que discute propostas de ocupação dos galpões e docas do Cais Mauá. “Quem é que vai chegar no Cais Mauá? Por mais que seja aberto, por mais que seja público, como é que sem passe livre, sem meio passe para os estudantes, quem é que afinal vai acessar o lugar no futuro?”, afirma Eduardo Osório, representante do Movimento de Trabalhadores Sem Teto (MTST), de Porto Alegre.