Integração dos povos para enfrentar crises sistêmicas e transformar a sociedade

Karin Nansen, da REDES – Amigos da Terra Uruguai, denuncia as crises do capitalismo e compartilha estratégias de luta internacionalista A gravidade das crises socioambientais sistêmicas – as crises do clima, da biodiversidade, da água, da fome, das desigualdades, dos cuidados – exige de nós uma articulação muito mais profunda de lutas, processos de resistência e projetos políticos que vão sendo criados a partir dos movimentos populares do continente e do mundo. É impossível enfrentar crises a partir das fronteiras nacionais, ou apenas a nível territorial e local. Na origem das crises, identificamos um sistema de acumulação capitalista, patriarcal, racista, colonialista e imperialista, que foi historicamente construído com base na escravidão, no genocídio, na destruição de continentes e na subjugação dos nossos povos. É um sistema de acumulação que se expande continuamente a nível local, incorporando novos territórios, mas também novas esferas de vida em sociedade. Enfrentar esse sistema exige um olhar que vai além do local ou nacional e que tenha uma perspectiva regional e internacionalista. As empresas transnacionais são atores centrais nesse processo de acumulação e precarização da vida e do trabalho. Elas são protagonistas do processo de destruição e desapropriação de terras, florestas e águas. Sua atuação vai muito além das fronteiras nacionais. Elas têm muito mais poder que os Estados nacionais e impõem constantemente os seus projetos, normas e lógicas, sobretudo em um continente como o nosso, que historicamente teve uma inserção altamente dependente no sistema capitalista e na economia globalizada neoliberal. Na América Latina, o processo de acumulação liderado pelas poderosas empresas transnacionais e grupos econômicos nacionais se baseia na extração de matérias-primas e na exploração da mão de obra. E essa exploração se estende aos nossos territórios, nossos povos, corpos e ao trabalho das mulheres, sobretudo das mulheres racializadas. O poder e a impunidade das transnacionais são fortalecidos com novas normas, presentes em acordos de livre comércio e tratados bilaterais de investimentos, entre outros instrumentos neoliberais. Inclusive, as transnacionais têm o poder de entrar com ações judiciais contra Estados quando consideram que uma política pública não as favorece. Se considerarem que uma política pública que favorece o bem comum é prejudicial aos seus lucros, apresentam uma ação perante tribunais internacionais de arbitragem, como o Centro Internacional para a Arbitragem de Disputas sobre Investimentos (ICSID), que funciona sob a égide do Banco Mundial. Em geral, os tribunais de arbitragem decidem a favor das transnacionais, atacando a capacidade soberana dos Estados para decidir sobre as políticas públicas mais adequadas. “Essa constante violação de direitos, esse constante ataque à vida que continua impune não pode ser enfrentado apenas localmente.” No feminismo popular, aprendemos com as lutas de resistência do nosso continente e compreendemos a necessidade urgente da integração dos povos, construindo a unidade na diversidade para desmantelar a impunidade corporativa, a destruição territorial e os ataques contínuos aos nossos direitos e para consolidar os nossos projetos políticos emancipatórios. São as mulheres indígenas, camponesas, quilombolas, trabalhadoras, das classes populares as mais afetadas por esses processos de destruição e ataques contínuos. São, ainda, aquelas que realmente lideram as lutas e também resistem a essa ofensiva. As mulheres populares desempenham um papel central como sujeitos políticos na defesa territorial e na defesa de projetos políticos coletivos. São elas que, repetidamente, se organizam e se mobilizam para enfrentar o projeto de acumulação das empresas. Aprendemos com as companheiras da Marcha Mundial das Mulheres a necessidade de apostarmos na construção de projetos políticos populares regionais e de nos fortalecermos coletivamente como sujeitos políticos populares. Em um contexto de profundas crises sistêmicas que ameaçam os sistemas ecológicos que tornam a vida possível, e da ofensiva brutal que a direita e o capital estão lançando em muitos países do nosso continente, temos a responsabilidade e o dever de avançar nessa construção de unidade em torno a projetos políticos emancipatórios que nos permitam desmantelar os sistemas de dominação, opressão e exploração dos nossos povos e da natureza. Historicamente, os nossos povos organizados construíram esses processos e projetos políticos emancipatórios, como a soberania alimentar. Esses projetos nos permitem disputar imaginários e sentidos, bem como assentar as bases e princípios que nos permitem dar uma resposta integral e estrutural às crises sistémicas, e que devem organizar as nossas sociedades. Construímos a integração em torno da resistência e da luta contra a concentração de poder e riqueza, as desigualdades, a espoliação, o acaparamento, a poluição e a destruição de territórios, como consequência do avanço do agronegócio, da mineração, das barragens, combustíveis fósseis. Diante disso, a unidade e a construção da integração implicam aprofundar e consolidar as propostas de transformação do sistema alimentar, do sistema energético, do sistema econômico, rompendo com as dicotomias que nos foram impostas entre sociedade e natureza, trabalho produtivo e reprodutivo, e a divisão sexual do trabalho. Hoje, também é fundamental no nosso continente nos organizarmos para disputar a política e as políticas públicas, porque precisamos recuperar o controle sobre as decisões que têm a ver com a organização das nossas sociedades e a nossa relação com a natureza. Disputar a política, como nos ensinou Nalu Faria, significa também disputar e descolonizar o Estado, redefinir o seu papel em torno da sustentabilidade da vida, da defesa da natureza e dos direitos dos povos. É uma disputa profunda, que redefine o que é o Estado e como construímos institucionalidade política a nível regional, num momento em que se instala a deslegitimação da política e se impõem seres nefastos, como Javier Milei na Argentina. Temos que disputar a esfera econômica. Graças à Marcha Mundial das Mulheres, temos contribuições fundamentais para todos os nossos movimentos em torno da economia feminista. A economia feminista nos oferece os princípios e diretrizes necessários para organizar a produção e a reprodução da vida e garantir a satisfação das necessidades do nosso povo. Princípios comuns aos da soberania alimentar, que visam a transformação radical da produção, distribuição e consumo de tudo o que é necessário à vida. A economia feminista numa chave regional aponta para a organização em todos os níveis, destacando

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