Povos da Terra marcham contra ameaça a território kilombola com a ampliação da BR-386

Comunidade Kilombola Morada da Paz – Território de Mãe Preta (CoMPaz) realizou o ato ‘Parada da Légua’, em Triunfo (RS). Por uma Solidariedade Real e Radical, Povos da Terra marcharam em unidade pelo direito de ser e existir. “Aqui nós estamos mais um dia lutando pelo nosso direito de ser e existir. Ouçam o nosso grito. O nosso grito, ele não é só hoje, ele é todo dia. E quero dizer que a gente é pessoas, como vocês. A gente luta pelo que a gente ama, a gente vive o cotidiano. Mas nós estamos sendo atacados. Isso sim é uma denúncia. Quando a gente é atacado naquilo que a gente ama no nosso íntimo, a gente sente e a gente sofre também. Mas a gente escolheu lutar com alegria, cantar e chorar ao mesmo tempo. Porque é assim que é a vida no Kilombo de Mãe Preta. Eu queria que vocês ouvissem, realmente: que o aqui e o agora é que a gente preserva o amanhã”. Fala de Nishtha, Ekedi Khan da Nação Muzunguê, da Comunidade Kilombola Morada da Paz, durante a Parada da Légua 2024 No sábado (20), o típico som do trânsito que corre desproporcionalmente veloz pela BR 386 foi abafado. Maracás, tambores e múltiplas vozes irromperam o asfalto num ato que trazia uma mensagem de coletividade e de vida. Povos do campo, das águas, das florestas, das ocupações urbanas, das periferias, dos assentamentos da reforma agrária, das retomadas indígenas, da comunidade LGBTQIAP+, de quilombos do Pampa à Amazônia, refugiados e imigrantes de outros países e movimentos sociais faziam coro. No mesmo ritmo de um batimento cardíaco, anunciavam: avançaremos. Em defesa da autodeterminação dos povos e de seu direito radical de ser e existir, a Comunidade Kilombola Morada da Paz realizou o ato “Parada da Légua”, denunciando a ampliação da BR-386, a menos de 500 metros da comunidade. Um projeto que já perturba o sonho das crianças e ameaça o território, intimidando gentes, bichos, árvores anciãs, o tempo e a terra que ali coabitam. Conforme relato de Yashodhan Abya Yala, Yalasé da Nação Muzunguê, Sangoma da Casa da Sétima Ordem, zeladora e protetora da Comunidade Kilombola Morada da Paz, a ampliação da BR é mais uma ameaça dos mega empreendimentos. “Até hoje nunca vimos o projeto, não fomos consultados”, relatou. Ponto que fere a Convenção n.169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que prevê a Consulta Prévia, Livre, Informada e de Boa Fé às comunidades tradicionais que são impactadas por projetos, políticas ou empreendimentos. Com o lema “Por uma Solidariedade Real e Radical em Território de Mãe Preta CoMPaz: povos tradicionais marcham em unidade pelo direito de ser e existir”, a comunidade articulou a manifestação pacífica, alertando a vizinhança e autoridades sobre os impactos do empreendimento no local. Assim como comunicando a sua luta para barrar a légua, uma rodovia também conhecida como o concreto dum processo extrativo que dilacera a sociobiodiversidade. Durante a marcha poética-cultural, política-espiritual, a légua parou, abrindo espaço para o movimento dos pés no asfalto. E o diálogo se deu com quem estava parado no trânsito e moradores das beiras da BR, contando também com a distribuição de materiais informativos. Para além da denúncia, o ato trouxe a vivacidade da memória e do tempo. Entre falas, batucadas, espadas de São Jorge ao alto, som da concha e do berrante, no caminho se narrava a história do Kilombo Morada da Paz, que existe em Triunfo há 21 anos. Uma comunidade de remanescentes, aqueles que lembram e mantêm viva a memória do seu povo. Uma história que também é de luta, e que se conecta à realidade de tantos outros territórios que resistem. Que em meio a um Estado racista e colonial, ao poder das corporações e as decorrentes políticas de morte ditadas por um projeto político que entende o valor no lucro, até podem sentir medo, mas não ousam vestir. E insistem, com ganas de transformar a realidade, em anunciar a sua existência. Viemos de nossas terras fazer barulho na terra inteira Tempo é memória. A solidariedade entre territórios que lutam para preservar a existência e o amanhã Na concentração, na rótula há 1,6 km da Comunidade em direção à Porto Alegre, um arco-íris abriu os trabalhos. Na marcha, que ocupou por mais de uma hora as duas pistas da BR no sentido da região metropolitana ao interior do estado, a lua imensa, quase cheia, refletia do céu no rosto de uma multidão. Carros parados ao longo da rodovia indicavam algum tipo de silêncio, como uma espera por uma mensagem que quebrasse o som de motores. Ao longo de quilômetros de caminhada, marchavam em defesa do Kilombo povos articulados em luta, munidos com a memória de seus territórios e um amor transbordante. Foram mais de cem pessoas presentes, com a força de uma caminhada daqueles que vem de muito antes, e que seguirá nas gerações futuras. Entre pontos para Ogum, Iansã, Esù e Xangô, ecoavam do começo ao fim da Parada da Légua frases como: “Essa luta é nossa, essa luta é do povo, é akilombando que se faz um Brasil novo” e “Pelo direito de ser e existir: solidariedade real e radical”. A radicalidade dos cantos contava sobre o amor das existências diversas, multiétnicas. Sobre aqueles que tombaram, mas fazem presença a cada passo dado. Sobre a confluência do encontro de norte a sul do Brasil, de retomada a retomada indígena, de quilombo em quilombo, das ocupações de luta por moradia e por reforma agrária. “A nossa luta é a luta deles também. Em busca de moradia, em busca de espaço, para a continuação de sua resistência. É importante para nossos parentes kilombolas. Eles estão colocando lixão aqui, as empresas querendo tirar eles para colocar lixão, que tem químicas que prejudicam a vida. É muito importante fazer a nossa parte apoiando. Tão querendo ampliar a BR também, tomando o espaço dos moradores daqui. Principalmente dos parentes quilombolas, que também defendem a terra, assim como nós, indígenas, originários da terra”, manifestou em apoio a