Posicionamento da Frente Brasileira Contra Acordo Mercosul-UE é apresentado no Parlamento Europeu

Nessa 3ª feira (8/11), a delegação brasileira que está em jornada na Europa para denunciar os impactos socioambientais do Acordo Comercial Mercosul-UE (União Europeia) para o país participaram de um debate público no Parlamento Europeu, em Bruxelas (Bélgica). Os representantes da Amigos da Terra Brasil (ATBr), da APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), RENAP (Rede Nacional de Advogados Populares) e do MST (Movimento Sem Terra) manifestaram-se na atividade, junto com a pesquisadora Larissa Bombardi. Delegação brasileira, junto com a pesquisadora Larissa Bombardi, criticam acordo a parlamentares europeus. Crédito: Julie Zalcman/ AT Europa Mais fotos da atividade no Parlamento Europeu AQUI A integrante da ATBr, Luana Hanauer, expôs o posicionamento da organização, que é membro da Frente Brasileira Contra os Acordos Mercosul-União Europeia e Mercosul-EFTA (European Free Trade Association, área de livre comércio formada pela Suíça, Noruega, Islândia e Liechtenstein). As questões colocadas por Hanauer durante o debate no Parlamento Europeu são defendidas pela Frente, que desde 2019 articula mais de 200 organizações da sociedade civil brasileira. Confira, abaixo, a exposição feita por Luana Hanauer, da Amigos da Terra Brasil, na atividade dessa 3ª feira na Bélgica, durante a Jornada na Europa: SOMOS CONTRA A SEPARAÇÃO DO TRATADO COMERCIAL DO ACORDO! Com base no conhecimento de outros acordos assinados com o bloco europeu ao redor do mundo, o pilar comercial tem a primazia e os elementos ditos de proteção aos direitos humanos e ambientais ficam em segundo plano. Consideramos que a abertura comercial, nos termos deste acordo, trará impactos socioeconômicos, trabalhistas, fundiários, territoriais, ambientais e climáticos significativos para o Brasil, e os demais países do Mercosul, tendo como maiores beneficiários as empresas transnacionais interessadas na importação de matérias primas baratas, na privatização de serviços e na ampliação de mercado para seus produtos industrializados. O que está em jogo nos capítulos dos acordos comerciais com a Europa é perpetuar e aprofundar a agenda de violações e retrocessos dos direitos. O acordo acentua a reprimarização da economia brasileira e atualiza os dispositivos coloniais que mantêm a dependência do país em relação à Europa, além de incentivar a violência racista contra povos indígenas, comunidades negras, camponesas e tradicionais. Isto porque o dano ambiental associado à expansão do desmatamento e do agronegócio recai desproporcionalmente sobre os povos negro e indígena (e, em particular, sobre as mulheres). A separação do tratado comercial do Acordo visa acelerar o processo e restringir o debate nos parlamentos e na sociedade de ambos os blocos. Somos contra a separação do tratado comercial do Acordo pois somos a favor de que este Acordo, assim como as demais políticas públicas que afetam a população do Brasil, seja com debate público, acesso à informação e respeito ao direito de consulta livre, prévia, informada e de boa fé, garantindo o controle social e a participação dos povos, os maiores impactados pelo Acordo! PROTOCOLOS AMBIENTAIS NÃO MUDAM O CARÁTER NEOCOLONIAL DO ACORDO! Do ponto de vista ambiental e climático, o acordo contribui para a devastação do conjunto dos biomas brasileiros. O fim das alíquotas de exportação para variadas commodities agrícolas e minerais, como o minério de ferro, e a ampliação de cotas para carne, etanol e açúcar, por exemplo, vão gerar expansão da produção e dos corredores logísticos da pecuária, do complexo soja e cana-de-açúcar. Nesse sentido, reforça os principais vetores de desmatamento e queimadas que vêm impactando os territórios, o meio ambiente e o clima. Segundo os dados divulgados pelo Instituto de Pesquisas Espaciais (INPE), de janeiro até o dia 21 de outubro de 2022 o acumulado de alertas de desmatamento na Amazônia Legal foi de 9.277 km². Essa é a pior marca da série histórica. E isso se repete nos demais biomas/ecossistemas do Brasil. Notamos a preocupação da sociedade europeia com as questões ambientais e climáticas com relação ao Acordo. As expressões “prover desenvolvimento sustentável”, “conciliar aumento da produção e mitigação de mudanças climáticas”, “assumir compromissos ambientais” ou “responsabilidade social corporativa” têm sido frequentes. Porém, diante das experiências vividas no sul global, isso não é suficiente para alcançar justiça ambiental e climática. O crescente desmatamento e degradação socioambiental estão relacionados à violação de direitos humanos e direitos territoriais. Desde 2015, vem aumentando exponencialmente a extensão da terra em conflito, segundo a Comissão Pastoral da Terra. A CPT é uma organização de luta que em todos os anos publica o relatório Conflitos no Campo Brasil onde constam todas as ocorrências registradas. Em 2022, no primeiro semestre, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) registrou 759 ocorrências de conflitos no campo no Brasil, envolvendo um total de 113.654 famílias. A violência contra a ocupação e a posse através da Contaminação por Agrotóxico, que obteve o maior percentual de aumento de famílias atingidas em relação aos primeiros semestres de 2021 e 2022, com um índice de 161,34%, totalizando 5.637 famílias contaminadas por agrotóxicos. Destaca-se o quão grave é o aumento dos conflitos por contaminação por agrotóxicos, pois, além de atentar diretamente contra a saúde dos povos e comunidades do campo, ocasiona também a contaminação das águas e dos alimentos saudáveis que abastecem as mesas da sociedade brasileira, como é o caso do Assentamento Santa Rita de Cássia, de Nova Santa Rita, na região Metropolitana de Porto Alegre (RS), que vem sofrendo prejuízos constantes em suas produções agroecológicas. O acordo intensificará a crise climática provocada pela agricultura de grande escala através do aumento significativo das emissões globais de gases de efeito estufa, no qual terá um aumento de 8,7 milhões de toneladas por ano nas emissões de gases de efeito estufa (GRAIN, 2019). Quando se trata de buscar justiça ambiental e climática, os tratados de livre comércio devem ser confrontados. Não será através do tratado comercial que será possível obter garantias sólidas em questões ambientais. Compromissos em relação a acordos multilaterais, incluindo a Convenção sobre Diversidade Biológica e o Acordo de Paris sobre as mudanças climáticas, não são suficientes pois essas disposições não são aplicáveis do ponto de vista vinculante. DEFENDEMOS A REABERTURA DAS DISCUSSÕES DO ACORDO! No mundo em que
Um Brasil que voltou a sonhar e seguirá resistindo

Por mais nebulosos que sejam os dias que seguem a vitória eleitoral da democracia, não podemos deixar de celebrar a derrota de Jair Bolsonaro. Nesta eleição, o futuro ex-presidente usou toda a máquina do Estado em prol de sua campanha. Convivemos com a presença da compra de votos, com o uso da violência política e coação aos eleitores e com a triste realidade da desinformação operando para a vitória de Jair. Além de atores poderosos em campo, como as milícias, pastores das igrejas e até a Polícia Rodoviária Federal (PRF). Apesar de tudo isso, vencemos. Mas foram cerca de 57 milhões de votos a favor do atual projeto de destruição. Não podemos olhar esse cenário sem entender a perversidade e a profundidade da desestabilização da democracia para o avanço das políticas neoliberais sobre a vida dos trabalhadores, sobretudo sua subjetividade. Uma pandemia com uma gestão que arrastou milhares de brasileiros e de brasileiras para a fome e a pobreza, intensificou as condições de exploração da força de trabalho, retirou casa, teto, privatizou serviços, trouxe o medo e a insegurança. Corpos e mentes cansadas, alienadas do trabalho e da realidade social são alvos fáceis de instrumentos de despolitização. Pessoas que se sentem ameaçadas criam teorias conspiratórias surreais e se abraçam a valores conservadores para conferirem um sentido a suas vidas vazias. A carga de violência e raiva não está sendo direcionada a construir melhores condições, pelo contrário, é canalizada em se associar à violência. Como diria o psicanalista Christian Dunker: controlar a gramática do sofrimento é um dos eixos fundamentais do poder. Tal controle vem sendo exercido por meio das redes sociais como WhatsApp, Facebook, Instagram, Twitter – que já foram ferramentas usadas nas eleições de 2018 – nas quais os algoritmos agregam seguidores e constroem uma bolha de notícias falsas personalizadas, criando a impressão de que esta é a realidade. Isso se soma aos discursos proféticos dos messias como Jair, Damares Alves, Michelle Bolsonaro, que usam seu espaço público de poder para conferir visibilidade a situações inexistentes, como a implementação do banheiro unissex e, mais recentemente, a fraude eleitoral. Este caldeirão cria o gado fanático que ocupou, e continua ocupando, as rodovias do país, implorando por uma intervenção militar pela permanência do Messias. É preciso destacar a perversidade da reta final da campanha de Jair Bolsonaro, que utilizou o Auxílio Brasil como medida populista para ganhar votos. Em agosto deste ano, o Auxílio Brasil foi aumentado para R$ 600,00, e durante o segundo turno, 500 mil pessoas foram incluídas como beneficiárias do programa. A esse público também foi garantido acesso a empréstimos consignados via Caixa Econômica Federal. Diante da falta de políticas populares, Bolsonaro se viu sem recursos para contrapor os 8 anos de Governo Lula e reforçou políticas assistencialistas para taxistas e caminhoneiros, como a redução do preço dos combustíveis e um auxílio de R$ 1 mil, além da previsão de um 13º aos taxistas, o qual foi pago, obviamente ainda durante as eleições, para garantir seus votos. Justamente essas propostas, sem previsão orçamentária para 2023, compõem hoje o rombo de R$ 400 bilhões aos cofres públicos, mas não somente, criam o desafio de como lidar com os beneficiários dessas políticas públicas que estão presos na bolha de fantasias. Em janeiro, Bolsonaro perderá sua imunidade, e mais ainda, poderá se tornar inelegível com as promessas de campanha de Lula de retirar os 100 anos de sigilo sobre seus atos enquanto presidiu o país. Muitos de seu governo e aliados estão sob risco de irem para a cadeia. Não à toa, vários lunáticos estão ocupando estradas, organizando acampamentos e pedindo a intervenção federal diante das fraudes eleitorais; estão nas cidades ameaçando valores democráticos e as pessoas. Eles estão sendo alimentados pela construção de fake news, como a crise alimentar que se avizinha, a fraude eleitoral detectada pela Rússia e o mandado de prisão de Alexandre de Moraes. Toda essa tentativa de crise social para desestabilizar parece caminhar para o fim. Contudo, a esquerda precisa estar alerta que a derrota do líder está longe de significar o fim do fascismo. A conjuntura exigirá, mais do que nunca, o desenvolvimento de um trabalho de base formativo com as massas. Se confrontar bolsonaristas com a realidade não tem desconstruído a desinformação, o investimento numa educação popular que possa dar conta das complexidades dos algoritmos do mundo digital e formar um senso crítico, construir valores democráticos e solidários, será uma das mais importantes tarefas políticas do próximo período. Desafios para a construção de uma transição: “democracia contra a barbárie” Iniciou-se o governo de transição. A palavra ganha tanto destaque, depois de seis anos sombrios de violação da Constituição e de retrocessos de direitos, quanto reerguer a democracia exige um conjunto de ações, estudos, diagnósticos e investigações que possam dar conta dos diversos conflitos internos, das violações sistemáticas de direitos humanos e da violência massiva contra coletividades e indivíduos que foi instalada. Restabelecer condições de governabilidade exigirá uma ampla reestruturação do Estado, da administração pública e, diríamos sobretudo, da responsabilização dos agentes e da retomada dos espaços e de processos de consulta e controle social das políticas públicas. Devemos começar investigando todas as fraudes eleitorais, julgar os perpetradores de crimes e as graves violações de direitos que cometeram. Se não enfrentarmos aqueles que atentaram contra as instituições e o processo eleitoral nunca nos tornaremos uma democracia respeitada. Assim, Carla Zambelli, Damares Alves, Ricardo Salles, Silvinei Vasques, Sergio Moro, Marcelo Augusto Xavier da Silva, Bolsonaro e sua família, Paulo Guedes precisam enfrentar a justiça. Queremos a instauração de uma comissão de investigação sobre a gestão da covid-19 para estabelecer a verdade sobre os fatos ocorridos no período. Ainda sobre toda a política anti-indigenista da Fundação Nacional do Índio (Funai) e anti-ambientalista do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama). Registrar, reconhecer e dar visibilidade às multas não aplicadas e isentadas dos crimes ambientais. Muitos povos sofrem pela retirada de direitos e pela violência; eles têm direito à reparação. Deverá haver uma reforma ampla das instituições e de seus