Bons ventos de vitória sopram do Sul

Em meio a tantos reveses e retrocessos na luta em defesa do meio ambiente e por justiça ambiental, este início de 2022 tem nos trazido boas novas. São vitórias que vêm do Rio Grande do Sul, as quais nos animam e reforçam a importância da união, da organização e da resistência das comunidades e dos territórios aos projetos de morte do capital e seus defensores. A primeira ocorreu ainda em 2021, mas apenas foi descoberta no início de fevereiro devido à falta de transparência e de informação, uma característica comum desses processos. Em novembro passado, a empresa Nexa Resources, controlada pela Votorantim S.A., pediu à Fundação Estadual de Proteção Ambiental (FEPAM) o arquivamento do processo de licença ambiental do Projeto de Mineração Caçapava, que ocuparia uma área de mais de 900 hectares na região da Campanha gaúcha. A intenção da empresa era construir uma mina a céu aberto de cerca de 37 hectares para extrair cobre, chumbo e zinco a 800 metros do Rio Camaquã, na localidade de Guaritas, na cidade de Caçapava do Sul. Este rio é um importante manancial hídrico da região, utilizado no abastecimento de água das cidades da redondeza, na sobrevivência de comunidades indígenas, quilombolas e na atividade agrícola, bem como ajuda a manter a biodiversidade das matas e animais locais. Constitui o famoso Pampa, tema de tantas músicas e poesias e cenário da figura folclórica do gaúcho pilchado cavalgando livremente pelos campos. No entanto, o Pampa é o segundo bioma natural mais devastado do Brasil, possuindo o menor percentual do seu território inserido em áreas de conservação. A extração de metais pesados e, como o chumbo, altamente tóxicos para os seres vivos e humanos, gera o risco da degradação irreparável de um ecossistema natural frágil e já bastante degenerado. Representa ainda um perigo à saúde, ao modo de viver e à subsistência das comunidades tradicionais e da população. O discurso de desenvolvimento econômico da região que os defensores da mina alardeavam também não se sustenta. De acordo com estimativas feitas pela própria empresa, o projeto acumularia ganhos em torno de R$ 4 bilhões em 20 anos, mas a Nexa não esclareceu quem se beneficiaria com todo este dinheiro. Afinal, os metais seriam exportados a outros países isentos de impostos, pois a Lei Kandir abrange a atividade minerária. Não é uma mera coincidência que as cidades gaúchas que têm sua economia baseada na mineração estejam entre as mais pobres do Rio Grande do Sul. Por esses motivos, o Projeto de Mineração Caçapava encontrou uma forte resistência da comunidade local, pequenos produtores rurais, dos indígenas, quilombolas, ambientalistas, pesquisadores, acadêmicos e demais organizações sociais comprometidas com um desenvolvimento econômico-social que não destrua o meio ambiente e respeite os modos de viver das populações. A organização popular contra a mina vem desde 2016, quando aconteceram as primeiras audiências públicas para tratar do projeto. Iniciou com uma articulação da comunidade local que, bastante organizada e aguerrida, espalhou a denúncia do projeto e dos seus impactos nas cidades da região, tornando pública a grave situação e, assim, conseguindo apoio em todo o estado. Prefeituras e órgãos institucionais estaduais colocaram-se contrários ao projeto, entre eles o Conselho Estadual de Direitos Humanos (CEDH) e o Comitê de Gerenciamento da Bacia Hidrográfica do Rio Camaquã (CBH-Camaquã). Um pouco dessa história é retratada no filme Dossiê Viventes – o Pampa viverá, por iniciativa do Movimento Unidade Pela Preservação do Rio Camaquã (UPP) e Associação para Grandeza e União de Palmas (AGRUPA), e produzido pelo Coletivo Catarse com apoio do Comitê de Combate à Megamineração no RS (CCM/RS). Embora a empresa não admita, a forte resistência popular é um dos motivos para que solicitasse o arquivamento do processo de licença ambiental do Projeto Caçapava. No entanto, não significa que tenha desistido de encontrar outro local, conforme manifestou em nota emitida à reportagem do portal de notícias Matinal. Cita a matéria: “Na nota enviada ao Matinal, a Nexa afirmou seguir em busca de novas oportunidades no Pampa ou em outros locais. “A companhia ressalta que mantém a pesquisa e a busca por outras oportunidades de negócio e que o projeto de Caçapava do Sul poderá ter continuidade com outra empresa no futuro, a partir de uma nova estratégia de atuação e a realização dos devidos processos de licenciamentos”. E muito menos o Pampa gaúcho está livre da sanha da megamineração, pois além do Projeto Caçapava, outros dois seguem em curso no bioma: o da extração de fosfato pela empresa Águia na cidade de Lavras do Sul, que já está em fase de licença para instalação, e o de extração de titânio e zircônio no município de São José do Norte, pela Rio Grande Mineração. Por isso, não podemos baixar a guarda. A resistência parte de camponeses, pescadores, Observatório dos Conflitos Urbanos e Socioambientais do Extremo Sul do Brasil – Universidade do Rio Grande (FURG) e o Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), somando junto ao CCM-RS. A organização popular e a luta precisam continuar! Vitórias contra a energia suja do carvão mineral e por comida sem veneno Nossa segunda recente vitória também ocorreu contra a megamineração, desta vez em oposição à instalação, na região metropolitana de Porto Alegre, da maior mina de carvão mineral a céu aberto do país. No dia 8 de fevereiro, a Justiça Federal atendeu a Ação Civil Pública (ACP) movida pela Associação Indígena Poty Guarani, Associação Arayara de Educação e Cultura, Conselho de Articulação do Povo Guarani e Comunidade da Aldeia Guarani Guajayvi, declarando nulo o processo de licenciamento ambiental da Mina Guaíba, da empresa Copelmi. As organizações Mbya Guarani foram assessoradas por advogados defensores das causas indígenas, quilombolas, reforma agrária e ambiental. O pedido de nulidade baseou-se no fato de que o Estudo de Impacto Ambiental/ Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) apresentado para o projeto da Mina Guaíba ignorou completamente a existência da Aldeia Guajayvi na cidade de Charqueadas. Acionado pela Justiça Federal, o Ministério Público Federal apresentou parecer em que se manifestou favorável ao pedido, reconhecendo que deveria ter ocorrido consulta prévia, livre