“A gente tem pressa por ações concretas e reais, porque são os nossos que estão sendo sistematicamente assassinados”

Pouco mais de um mês após o assassinato de João Alberto pelos seguranças contratados pela rede Carrefour em Porto Alegre, Brasil, Patrícia Gonçalves, integrante do Conselho Diretor do Amigos da Terra Brasil e militante da Frente em Defesa dos Territórios Quilombolas no Rio Grande do Sul, analisa as medidas tomadas pela empresa e pela Justiça. Ela defende uma mudança de paradigma no tecido social no que diz respeito às comunidades pretas no Brasil. No último 19 de dezembro de 2020, completou um mês do terrível crime cometido contra João Alberto. Esse episódio é reflexo do racismo estrutural e institucional vivenciado no Brasil. Beto, como era conhecido, foi brutalmente espancado até a morte pela segurança privada da rede de supermercados Carrefour e pela polícia militar. Para analisar  este caso  cruel e racista, conversamos com Patrícia Gonçalves, integrante do Conselho Diretor do Amigos da Terra Brasil e militante da Frente em Defesa dos Territórios Quilombolas no Rio Grande do Sul.  O crime ocorreu um dia antes do dia da consciência negra, em Porto Alegre, uma das cidades brasileiras mais segregadas. Na mesma semana, se celebrava a eleição de uma banca negra na Câmara Municipal de Porto Alegre, fato até então nunca ocorrido. Patrícia relata que: “As pessoas estavam felizes com a eleição da bancada negra, e também com a questão de gênero elegendo muitas mulheres, tanto em Porto Alegre como em diversas cidades do Brasil. Estamos caminhando para uma transformação destes espaços que é muito necessário. E ao mesmo tempo que comemorávamos e celebrávamos, o racismo vem para colocar qual é a condição das pessoas negras, das pessoas não brancas aqui no Brasil.” O caso do João Alberto ganhou grande impacto e mobilização nacional pela simetria com o assassinato de  George Floyd ( no dia 25 de maio de 2020, Floyd foi estrangulado por um policial branco que ajoelhou em seu pescoço durante uma abordagem, em Minneapolis, nos Estados Unidos) ganhando repercussão em diversos países com a campanha “Black Lives Matter” [Vidas Pretas Importam, na tradução literal]. Principalmente, o caso do João Alberto ganha grande repercussão porque isso exemplifica a realidade cotidiana de homens negros e mulheres negras. “Esse é o nosso cotidiano. Nós vivemos em um país que não nos reconhece enquanto humanidade, que não nos reconhece enquanto força potente de transformação social. Nós sobrevivemos ao imenso projeto de extermínio, genocídio e epistemicídio. Aqui no Brasil, além da escravidão, a colonização, por exemplo, financiou políticas eugenistas que projetaram em 100 anos a população iria embranquecer com a  vinda da imigração européia, e daí sim se tornaria uma população civilizada. Se investiu dinheiro público para isso, se defendeu essa ideia e, como consequência, ações de desterritorialização ainda maiores dos nossos povos originários e os povos negros que aqui estavam em função desta lógica que acredita em apenas um modelo de pensar  através dos corpos brancos do ocidente, é um modelo correto e civilizado. E a gente sobreviveu a isso! De forma habilidosa e estratégica, sobrevivemos a isso.”, descreve Patrícia.   Este não é um episódio isolado. A rede Carrefour tem um histórico muito problemático, com casos de agressão física, violação de direitos, em todo o território brasileiro. Patricia nos descreve alguns exemplos: “temos o caso de uma funcionária que após receber tratamento racista dos colegas de trabalho, fez uma denúncia e o tratamento que a empresa deu foi a demissão. Também, temos o caso de um funcionário que faleceu em um estabelecimento de trabalho e a ação da empresa foi seguir as atividades normalmente, camuflando o corpo exposto, sem dignidade. O corpo negro não recebe nenhuma dignidade da empresa que usufruiu do seu trabalho por muito tempo. Temos casos de clientes que são perseguidos, violentados, que não podem transitar de forma digna nos estabelecimentos destas redes de supermercados porque sempre são vistos como suspeitos e violentados. E, agora, o caso do João Alberto que foi cruelmente assassinado.” Além do caso Carrefour, outras redes do setor alimentício são violadoras de direitos aqui no Brasil. Em Porto Alegre, há outros casos envolvendo a disputa territorial com as comunidades quilombolas. Por exemplo, a rede Walmart, que é uma corporação que explora a mão de obra de trabalhadores, tenta desterritorializar a comunidade Quilombo dos Machados. Patrícia conta a história dessa comunidade e descreve como a comunidade sente os impactos do racismo institucional: “A comunidade tem uma história de vida muito anterior à chegada da rede Walmart e mesmo assim nosso sistema jurídico não consegue e não quer compreender isso. Atualmente, a comunidade precisa  investir muito tempo e energia numa disputa homérica para garantir que a justiça seja feita. E para nós, é muito difícil passar por esse crivo jurídico, conseguir se fazer desenvolver em um processo que dê retorno a nossa luta, nossa construção e nosso ideal de mundo. É extremamente complexo e difícil para uma comunidade quilombola ser avaliada e analisada por esse sistema. Mas, a regra que temos é que a propriedade da terra vale mais do que as pessoas e por isso se faz necessário enfrentar este cenário e espaço. E conseguir de diferentes formas e narrativas diversas disputar o que é um  território quilombola, o que é a constituição de um mundo possível nestes territórios, onde o próprio sistema renegou outras espacialidades e colocou essas pessoas nesses espaços onde se construiu e constituiu toda sua lógica de territorialidade”.  Ela complementa: Por isso, é preciso enfrentar essas empresas e esse sistema jurídico racista com as nossas lógicas. Esse é um sistema que nos enxerga como invasores, como ocupantes de um espaço. Ele não consegue compreender que nós estamos operando em um projeto de retomada de território e retomada do que é nosso por direito em função das consequências de uma série de crimes que exerce desde a formação do Brasil contra os corpos negros e as formas de territorialização dos espaços negros. Um sistema que tem dificuldade em compreender o que é a lógica da retomada, da reconquista do que é nosso por direito. E essa é a  experiência que estamos vivenciando em

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